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Luzes azuis, ambientes gélidos, jalecos coloridos, enfermeiras cansadas, médicas fadadas, mães aflitas. Dia após dia, rostos aflitos e choros estridentes de mulheres com as dores do parto, adentram na maternidade de alto risco de Campina Grande, o Instituto de Saúde Elpídio de Almeida (ISEA). Devido a posição central da Rainha da Borborema, o ISEA é um hospital de Vaga Zero, como citado na resolução CFM nº 2.077/14, que significa não negar atendimento à mulheres de diversas cidades paraibanas conveniadas ou não com a Secretaria Municipal de Saúde de Campina Grande, nem de cidades do interior do Rio Grande do Norte e de Pernambuco. Ao todo, o Instituto atende mulheres de aproximadamente 182 cidades, por mês, totalizando cerca de 600 mães que dão à luz em situações precárias e insuficientes do local. Além do ISEA, há hospitais para partos de baixo risco, como o Hospital Universitário Alcides Carneiro, FAP e a Clipsi, que asseguram partos na cidade.
A abordagem que a maternidade realiza ao retratar a mortalidade neonatal ou prematuridade, percorre desde o início da gestação com o acompanhamento pré-natal, que deve identificar o estado de saúde da mãe e do feto. É nele que deve ser cuidado as possíveis enfermidades, como diabetes e hipertensão gestacional ou problemas com o útero, dentre outros casos. Há duas décadas, notou-se a importância da conscientização dos cuidados com a gestante no pré-natal, uma vez que foi notado que entre 1000 crianças nascidas, 50 morriam nos primeiros dias de vida ou eram natimortos. Desta forma, foi colocado em prática pelos estados do Brasil, projetos e ações seguidas de novas tecnologias para o acompanhamento da saúde de mãe e do filho durante a gestação, diminuindo o número de mortalidade para 15 crianças dentre 1000.
Esse cuidado ainda está longe de ser perfeito. O estado da Paraíba, por exemplo, é o terceiro com maiores índices de mortalidade maternas, segundo Observatório da Criança, publicada pela Fundação Abrinq,onde apontou que, dentre 100 mil partos de nascidos vivos, 87,4 das mães morrem. Para o médico e diretor do ISEA, Mário Oliveira Filho, "é importante salientar que as estatísticas não contam os aspectos do início da vida que são marcantes, e que levam a morte da mãe ou do bebê. Ou seja, o pré-natal que é feito nos municípios. (...) A Paraíba 3° estado com mais mortalidades maternas, isso significa que o pré-natal está sendo mal-feito. É mais que necessário rever a assistência para com as grávidas", destaca o diretor.
Mulheres campinenses e advindas de 182 municípios espalhados pela Paraíba e de cidades próximas à fronteira dos estados Pernambuco e Rio Grande do Norte, procuram, no Instituto, um amparo, um acolhimento e um atendimento, sendo a maioria, de baixa renda. Porém, por conta de ser a única maternidade de alto risco da região, a mesma não comporta a demanda. Segundo dados disponibilizado pela Secretaria Municipal de Saúde de Campina Grande, durante o primeiro semestre de 2019, foram feitos, em média, 15.574 atendimentos, dentre estes, 4.013 foram partos.
Ainda segundo o diretor do ISEA, a maternidade conta com um total de 880 servidores,dentre eles, 100 médicos e 230 profissionais de enfermagem, além de dispôr de UTI, berçário intermediário, unidade canguru, terapias intensivas, unidade de apoio e caminho, assistência a gestantes de alto risco com 25 leitos, pré-natal de alto risco referência na região. Possui também convênio com as Universidades locais, banco de leite, casa de parto, além de 180 leitos para assistir qualquer grávida desde o início da gestação, e a Casa de Apoio, para as mães com filhos na UTI.
Mesmo com toda infraestrutura e serviço prestado atualmente, para Dr. Mário, “é inevitável que alguns resultados não sejam favoráveis, pois muitas das mulheres atendidas não foram acompanhadas devidamente no pré-natal, e em consequência disso, entram em trabalho de parto prematuramente, ou seja, o nascimento de bebês que ainda não estão maduros suficientes e são vulneráveis em diversos aspectos e não têm capacidade de viver fora do útero. Quando a prematuridade é extrema, não há condições da criança viver, já que é um bebê que ainda não consegue viver sem o organismo da mãe, e não há aparelho que forneça isso.”
Total de Atendimentos no Isea - I Trimestre de 2019
Fonte: Visualização de Dados elaborada pela equipe com dados do ISEA
Berços Provisórios

Outro fator que impede um melhor atendimento é a superlotação no hospital. O diretor relata que “já houve dias de atendemos 220 pacientes com apenas 180 leitos, e mesmo com leitos de baixo risco nos hospitais da FAP e Clipsi, foi inevitável a superlotação. E acaba que uma equipe que deveria atender 50 pacientes atende 80, isto é, não há estrutura para dar assistência. Os 30 a mais ficam num risco elevado, pois não há conforto, não há atendimento médico devidamente.”
A Paraíba possuía mais ou menos 10 hospitais que faziam partos no Brejo e Curimataú, mas na última década, a parte de obstetrícia foram sendo desativadas. No Sertão do estado, os que continuam ativos não funcionam 24h, e consequentemente, recorrem as unidades de saúde em Campina Grande. Para Dr. Mário, seria necessário cerca de 130 leitos de UTI Neonatal na Paraíba, tendo em vista que há 79", ressaltou.
Pequenos, indefesos, imaturos, fora de seu ambiente natural, e esperam que sua mãe respire por eles. Mais um bip ecoa pela sala da UTI e, ao escutar, a enfermeira caminha apressadamente até o berço "-Vamos neném!". Ela faz cócegas em um dos pezinhos e vira-o para outro lado, e logo o neném parece lembrar que é preciso respirar por conta própria. Esta é uma das cenas cotidianas nos leitos disponíveis da UTI neonatal que tentam ser um local similar ao útero da mãe, cujos fios e aparelhos, tentam simular o útero materno, fazendo com que o bebê tenha oxigênio, comida e estejam aquecidos.
A pediatra neonatologista, Dra.Thereza Brito, que trabalha há 17 anos no Instituto, conta que “a UTI dispõe de 10 leitos, com aparelhos como catéter, dentre outros que os aquecem, medem a saturação do pulmão, verificam e acompanham os batimentos cardíacos das crianças. Também detectam se a criança é cardiopata, e com isso, é feita a nutrição parenteral em caso de bebês que não conseguem engolir o alimento", frisou.
Mas devido a sobrecarga em alguns momentos, a UTI atende 12 ou mais pacientes, uma vez que utiliza-se equipamentos de retaguarda, e é requisitado de outros hospitais, como o HU, FAP e Clipsi. Tais improvisos duram algumas horas, e assim que vaga alguma entubadora, a criança, que está sendo atendida nessas condições, passa a ocupar. “Para que se possa entender o que passamos, é como fazer uma festa para 80 pessoas e no fim chegar 150 e você ter que dar comida e bebida para todos. Mas apesar das limitações, ainda conseguimos fazer muita coisa", comemora Dra. Thereza.
Fonte: Visualização de Dados elaborada pela equipe com dados do ISEA
Os dados revelam a dificuldade do Hospital, sendo o mais procurado na região, em atender à demanda que chega. Só com mães de outros estados, neste período o Instituto recebeu 60%.
Mesmo não sendo o ambiente ideal para os prematuros, o desenvolvimento e recuperação dos bebês vão muito além dos aparelhos da UTI. Embora estejam dentro de um bercinho provisório, a criança necessita do afeto e carinho que ele tem desde que se formou na barriga da mãe. Por isso, muitas mães passam dias e noites ao lado das incubadoras, sendo a entrada para os pais é liberada durante o dia e até às dez horas da noite. Neste período, tentam dar carinho da melhor forma possível, e estimular o toque e, mesmo com incubadora fechada, conversam com seus bebês.
Para Dra. Thereza é essencial a presença da mãe e do pai no desenvolvimento da criança. “Nós notamos que, para os bebês em que os pais estão mais presentes, que conversam, estes se recuperam melhor. Costumo sempre dizer às mães que elas fazem parte do tratamento, porque esse carinho, esse amor, são os pais que tem que dar. Não há aparelho que consiga suprir esse afeto”, enfatizou.
Cerca de 60% das mães atendidas são de outras cidades. Por esta razão, o ISEA conta com uma Casa de Apoio que as hospeda de forma gratuita para que elas possam acompanhar e estarem presentes durante a evolução de seus bebês na UTI. Conforme a Secretaria Municipal de Saúde, o local possui tudo de uma casa normal, com sala de estar, cozinha, 5 quartos, sala de ordenha e triagem, suportando, ao todo 20 mães, que precisam e recorrem a este benefício.
Em alguns casos de prematuridade, estes bebezinhos não conseguem sobreviver. Há dois tipos de óbitos neonatal: o uterino ou após o parto, além de morte maternas que podem ser no parto, quando morrem com o bebê ou depois que o teve. “É algo que nunca estamos preparados, mesmo durante anos de experiência, não tem um forma melhor de dizer essa notícia à família, seja o óbito da criança ou da mãe", destacou a médica.